Este projeto de pesquisa investiga a ocorrência de sistemas de ordem emergente na construção moderna brasileira — da segunda metade do século XVIII à primeira metade do século XX —, avaliando a possibilidade de estes sistemas oferecerem respostas descentralizadas e low tech aos problemas atuais da sustentabilidade urbana. Atuaremos sobre três escalas da produção do tecido edificado: configurações de parcelamento do solo, morfologias espaciais na edilícia de base — os tipos de edificações mais difundidos, como habitações, comércios e oficinas de pequeno porte —, e sistemas construtivos vernáculos. A fundação e o crescimento de núcleos urbanos no Brasil de finais do período colonial até os primórdios da industrialização apresentam um panorama de ações descentralizadas, com reduzida tutela do Estado, e amparado em tradições duradouras. Esse panorama revela o emprego de formas de parcelamento do solo, tipos edilícios e técnicas construtivas capazes de atender, ainda que perpetuando desigualdades, a segmentos diversos do processo de modernização das cidades.

Avançamos a hipótese de que as práticas construtivas e urbanísticas vigentes de meados do século XVIII ao início do XX configuram tradições edilícias com características de ordem emergente. A construção gradual do ambiente urbano, seja na forma de freguesias, vilas operárias, bairros informais ou planejados, constitui um substrato técnico e processual pouco reconhecido, situado à margem dos grandes projetos de reforma e “embelezamento” urbano da primeira República e da era Vargas.

Argumentamos que a persistência dessas tradições edilícias, frente às transformações de ordem político-econômica e à progressiva introdução de processos industrializados na cadeia produtiva da construção civil no Brasil, evidencia qualidades de resiliência e adaptabilidade ao longo do tempo e perante diversas condições de adensamento urbano. Tais qualidades oferecem respostas possíveis à crise ambiental e urbana da atualidade, em particular no que diz respeito à otimização do binômio parcelamento urbano–tipologia edilícia para maior flexibilidade funcional e adaptabilidade ao longo do tempo, bem como à inclusão de estratégias e agentes de pequeno porte no panorama da sustentabilidade ambiental.

A análise do desempenho das tradições edilícias, seja no tocante à resiliência funcional e espacial, seja quanto a indicadores ambientais e energéticos, é atualmente obstada pela carência de documentação e sistematização do seu acervo construído. A tentativa de validação da hipótese oferecida acima deve proceder, portanto, inicialmente compilando um corpo documental representativo dos produtos e processos designados como tradicionais, para então formular um sistema de indicadores e métricas de resiliência. O conceito de resiliência urbana tem sido implementado, via de regra, com respeito à recuperação após desastres naturais (KHAZAI; ANHORN; BURTON, 2018), ou ainda a aspectos socioeconômicos alheios aos processos produtivos do ambiente construído (SCHLÖR; VENGHAUS; HAKE, 2018). Propomos, outrossim, proceder por analogia, identificando a resiliência de tradições construtivas diante dos cambiantes cenários cultural, político e tecnológico. Para tanto, estipulamos os objetivos a seguir.

Objetivo geral

Realizar um inventário de práticas construtivas vernáculas e padrões arquitetônicos vigentes no Brasil da segunda metade do século XVIII à primeira metade do XX que sejam representativos de sistemas dotados de ordem emergente.

Objetivos específicos

Conceituar ontologias de elementos espaciais e componentes construtivos históricos, aptas a serem representadas e analisadas em modelos HBIM (Historic Building Information Modeling) e SIG (Sistemas de Informações Geográficas).

Compilar tipologias de formas de parcelamento do solo, de padrões arquitetônicos e de sistemas construtivos organizadas de modo a demonstrar suas distribuições regionais e genealogias evolutivas.

Estabelecer um sistema de indicadores para avaliar a resiliência de tipos edilícios e de práticas construtivas no tempo e no espaço em contextos de transformação gradual das condicionantes culturais, políticas e técnicas.